A saúde física de pessoas no espectro autista (TEA) é frequentemente negligenciada. A sociedade médica, ainda hoje, tende a reduzir o autismo à sua dimensão neurológica e comportamental.
Este erro custa caro: em diagnóstico tardio, em sofrimento evitável, em vidas encurtadas. Pessoas com TEA vivem, em média, 16 a 30 anos a menos que a população geral (Autistica UK, 2018). Este número devia chocar – e obrigar à mudança.
🔎 Comorbidades Físicas Frequentes
Pessoas com autismo têm maior risco de desenvolver diversas condições físicas, algumas relacionadas à biologia do neurodesenvolvimento, outras ao contexto social de exclusão e negligência médica.
✅ Distúrbios gastrointestinais (GI)
Obstipação crónica, refluxo, inchaços e dores abdominais são relatados em até 70% das crianças com autismo (Buie et al., Pediatrics, 2010).
Muitas pessoas não verbais manifestam dor GI com comportamentos considerados “desafiadores”.
Crítica: Ainda se considera “normal” que pessoas autistas tenham dor e não saibam expressar. A medicina deve adaptar-se ao paciente, não o contrário.
Hipótese em estudo: conexão entre microbiota intestinal alterada e manifestações comportamentais.
✅ Epilepsia
A prevalência de epilepsia em autistas varia entre 20% e 30%, especialmente em casos com deficiência intelectual associada (CDC, 2022).
Convulsões podem surgir tardiamente (após os 10 anos) e ser confundidas com episódios comportamentais.
Importante: EEGs e neuroimagem devem ser padrão em avaliações neurológicas de autistas.
✅ Distúrbios do sono
A insónia é quase epidémica entre pessoas autistas, afetando 50–80% (Souders et al., Sleep Medicine Clinics, 2017).
Consequências: irritabilidade, dificuldades cognitivas, aumento de comportamentos repetitivos.
Tratamento: melatonina, rotinas sensoriais, luz controlada.
Hipótese em investigação: Ritmos circadianos alterados geneticamente.
✅ Doenças autoimunes e inflamatórias
Há indícios de disfunção imune crónica, com marcadores inflamatórios elevados em alguns autistas (Ashwood et al., 2011).
Relações sugeridas com doenças como: lúpus, tiroidite de Hashimoto, eczema severo, alergias múltiplas.
⚠️ Ainda controverso, mas ignorar é má prática.
✅ Obesidade e desnutrição
O sedentarismo forçado, dietas restritivas e baixa educação alimentar familiar causam altas taxas de obesidade em jovens autistas.
Ao mesmo tempo, há casos graves de desnutrição seletiva – crianças que só comem arroz, ou só pão branco, durante anos.
Nota: Isto não é “fase” nem “mania”. É problema de saúde real. Precisa de intervenção nutricional adaptada.
✅ Problemas cardiovasculares
Estudos sugerem risco aumentado de hipertensão, arritmias e mortalidade cardiovascular precoce (Hirvikoski et al., British Journal of Psychiatry, 2016).
Fatores: stress crónico, medicamentos psiquiátricos, sedentarismo, obesidade.
⚠️ Doenças Subdiagnosticadas ou Ignoradas
Pessoas autistas costumam ser mal avaliadas clinicamente. Os profissionais não escutam, subestimam a dor ou “psicologizam” sintomas.
Casos comuns ignorados:
Infecções urinárias (não verbaliza dor → ignorada)
Endometriose em mulheres autistas
Dores articulares ou reumatológicas crónicas
Síndrome do intestino irritável
❓ Perguntas em Aberto e Linhas de Investigação
A microbiota intestinal influencia comportamentos autistas?
Existe uma assinatura imunológica no autismo?
As alterações de sono no TEA são causa ou efeito dos sintomas centrais?
Por que há tantos casos de epilepsia associada?
Qual o papel dos genes envolvidos na dor e na inflamação crónica em autistas?
Essas perguntas não são só científicas. São urgentes. A negligência custa vidas.
🧾 Instituições e Referências Relevantes
NIH – National Institutes of Health (EUA)
Autistica UK
CDC – Centers for Disease Control and Prevention
Hospital for Sick Children, Toronto (pesquisa em microbiota e TEA)
Buie T. et al. – Consensus Report on GI disorders in ASD, Pediatrics, 2010
Ashwood P. et al. – Immune dysfunction in autism, J. Neuroimmunology, 2011
📌 Cuidados a Ter (Apelo Direto)
Se és pai, mãe, educador, ou autista adulto, toma nota:
Dor nunca é “birra”.
Sono é pilar de saúde mental e física.
Nutrição exige atenção profissional.
Não aceites respostas vagas dos médicos.
Leva registos, vídeos, sintomas escritos.
Se não te ouvirem, muda de profissional.
Nota de quem investiga e cuida:
Autistas têm corpos. Têm órgãos, células, hormonas. Sentem dor como qualquer outro ser humano. E mais ainda, porque muitas vezes não conseguem pedir ajuda. A medicina que ignora isso não é apenas antiquada — é cúmplice de sofrimento evitável.
Respostas